Não é nenhuma novidade que o país conhece uma onda
assustadora de crimes passionais e não só que são caracterizados na sua
maioria por espancamentos, assassinatos, violações sexuais, bem como a
prática de suicídios.
A seguir procuro colocar algumas pistas de análise sobre as causas deste cenário e as suas possíveis soluções. Para o efeito vou partir de uma célebre abordagem sociológica que é por muitos já conhecida – ‘’O suicídio’’ de Èmile Durkheim (1897).
Em sua obra, Durkheim diz que o suicídio é, “todo o caso de morte que resulta, directa ou indirectamente, de um acto, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”. Conforme o sociólogo, cada sociedade está predisposta a fornecer um contingente determinado de mortes voluntárias, e o que interessa à sociologia sobre o suicídio é a análise de todo o processo social, dos factores sociais que agem não sobre os indivíduos isolados, mas sobre o grupo, sobre o conjunto da sociedade. Cada sociedade possui, a cada momento da sua história, uma atitude definida em relação ao suicídio, podendo se dividir em três tipos:
1. Suicídio Egoísta: aquele em que o ego individual se afirma demasiadamente face ao ego social, ou seja, há uma individualização desmesurada. As relações entre os indivíduos e a sociedade quedam-se fazendo com que o indivíduo não veja mais sentido na vida, não tenha mais razão para viver;
2. Suicídio Altruísta: aquele no qual o indivíduo sente-se no dever de fazê-lo para se desembaraçar de uma vida insuportável. É aquele em que o ego não o pertence, confunde-se com outra coisa que se situa fora de si mesmo, isto é, em um dos grupos a que o indivíduo pertence;
3. Suicídio Anómico: aquele que ocorre em uma situação de anomia social, ou seja, quando há ausência de regras na sociedade, gerando o caos, fazendo com que a normalidade social não seja mantida. Em uma situação de crise económica, por exemplo, na qual há uma completa desregulação das regras normais da sociedade, certos indivíduos ficam em uma situação inferior a que ocupavam anteriormente. Assim, há uma perda brusca de riquezas e poder, fazendo com que, por isso mesmo, os índices desse tipo de suicídio aumentem.
É na base deste último tipo de suicídio que se pode enquadrar o que se passa no nosso país e conforme dito acima, cada sociedade possui num dado momento da sua história, uma atitude que deve responder aos desafios que a vida quotidiana nos coloca.
Eu penso que vivemos em Moçambique um suicídio anómico, caracterizado pela falta de esperança e foco sobre o que vai ser o futuro individual ou colectivamente. Mergulhados numa crise económica e política que parece não ter fim, o desespero e o caos tomaram de assalto a nossa sociedade em todas as esferas. Como diriam os franceses, estamos a viver numa ''société bouleversée''.
Entenda-se que ao falar de sociedade não me refiro a Cidade de Maputo, mas sim ao país como um todo. A prática de assassinatos entre casais é um sinal claro do sufoco e desespero que vivemos nos dias de hoje. O fosso entre ricos e pobres aumenta diariamente e para algumas pessoas na incapacidade de obter sustento optam pela prática desses crimes para sobreviver ou para se livrar desse mal pondo fim às suas vidas, pois, pensam que a morte seja o fim do martírio.
Isto se estende um pouco para a traição, uma palavra que vai muito além da infidelidade conjugal. Trair começou ganhar status laico e jurídico na Roma antiga. Mas até a Bíblia fala de traição, basta lembrar Adão e Eva, Abel e Caim, chegando aos palácios imperiais, no cinema, nas artes, na política, na música, na literatura, nas redes sociais, nas classes alta, média e nos subúrbios. Não vou aqui nem entrar no mérito religioso.
Da traição podemos desembocar na violência doméstica que também caracteriza o nosso país, embora esta eu pense que começa a ganhar outros contornos apenas por se relatarem casos contra os homens e na televisão e redes sociais estar a existir uma vasta propaganda.
É preciso lembrar que a violência doméstica não é de hoje, a mulher e as crianças sempre sofreram deste mal, o que temos hoje é uma maior mediatização e o homem (sentido de sexo) como centro das atenções. Só para recordar, segundo estatísticas da PRM – em 2016 as mulheres sofreram em 60%, crianças em 30 % e os homens apenas em 10%.
Olhando para esses dados posso mencionar aqui o questionamento levantado por Eliana Nzualo (2016) recentemente: serão todos os homens violentos? Não. Mas todos os homens são criados na mesma sociedade patriarcal que exige deles um comportamento violento. Todos os homens são criados para acreditarem que têm acesso ilimitado à violência para reforçar o seu poder. Todos os homens são socializados para acreditar que o uso da violência está acima de qualquer direito ou dever que possam ter na sociedade.
Noutro texto, Nzualo (2016) se debruçou sobre a questão do divórcio como hipotética solução para o actual momento. Ela refere que o divórcio pode ser uma porta para a possibilidade de crescimento e realização pessoal imprescindível para qualquer pessoa ser feliz. O divórcio pode representar a liberdade para muitas pessoas que vivem oprimidas nos seus casamentos. O divórcio pode permitir a constituição de uma família de relações saudáveis. E acima de tudo, o divórcio protege os casamentos de uma realidade infeliz e desgastante.
Somos chamados a olhar para este e outros males não de forma isolada, chama-se aqui para uma abordagem holística do assunto e perceber o individuo praticante destes actos como alguém que está inserido numa sociedade onde desenvolve relações e interacções com os outros. Ele (indivíduo) age em função dos outros e daquilo que constata ao seu redor – a situação ocasional determina suas decisões.
Por exemplo, imagine-se numa situação de chuva miúda em plena via pública onde te deparas com outras pessoas que abrem o seus guarda-chuvas para se proteger e você continua com o seu fechado. A tua decisão de abrir ou não o guarda-chuva vai ser determinada não pela opção individual, mas sim por constatar que os outros abriram os seus guarda-chuvas e também te sentes na necessidade de seguir o mesmo exemplo.
Para finalizar, penso que a hostilização pública e o vilipêndio dos praticantes deste crimes apenas vai potenciar a prática dos mesmos, somos chamados a pensar conjuntamente numa solução sem excluir os praticantes destes actos. Porém, não podemos nos espantar com actual momento, é típico de qualquer sociedade - de certa forma nos ajuda a construir o amanhã que (não) queremos.
A seguir procuro colocar algumas pistas de análise sobre as causas deste cenário e as suas possíveis soluções. Para o efeito vou partir de uma célebre abordagem sociológica que é por muitos já conhecida – ‘’O suicídio’’ de Èmile Durkheim (1897).
Em sua obra, Durkheim diz que o suicídio é, “todo o caso de morte que resulta, directa ou indirectamente, de um acto, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”. Conforme o sociólogo, cada sociedade está predisposta a fornecer um contingente determinado de mortes voluntárias, e o que interessa à sociologia sobre o suicídio é a análise de todo o processo social, dos factores sociais que agem não sobre os indivíduos isolados, mas sobre o grupo, sobre o conjunto da sociedade. Cada sociedade possui, a cada momento da sua história, uma atitude definida em relação ao suicídio, podendo se dividir em três tipos:
1. Suicídio Egoísta: aquele em que o ego individual se afirma demasiadamente face ao ego social, ou seja, há uma individualização desmesurada. As relações entre os indivíduos e a sociedade quedam-se fazendo com que o indivíduo não veja mais sentido na vida, não tenha mais razão para viver;
2. Suicídio Altruísta: aquele no qual o indivíduo sente-se no dever de fazê-lo para se desembaraçar de uma vida insuportável. É aquele em que o ego não o pertence, confunde-se com outra coisa que se situa fora de si mesmo, isto é, em um dos grupos a que o indivíduo pertence;
3. Suicídio Anómico: aquele que ocorre em uma situação de anomia social, ou seja, quando há ausência de regras na sociedade, gerando o caos, fazendo com que a normalidade social não seja mantida. Em uma situação de crise económica, por exemplo, na qual há uma completa desregulação das regras normais da sociedade, certos indivíduos ficam em uma situação inferior a que ocupavam anteriormente. Assim, há uma perda brusca de riquezas e poder, fazendo com que, por isso mesmo, os índices desse tipo de suicídio aumentem.
É na base deste último tipo de suicídio que se pode enquadrar o que se passa no nosso país e conforme dito acima, cada sociedade possui num dado momento da sua história, uma atitude que deve responder aos desafios que a vida quotidiana nos coloca.
Eu penso que vivemos em Moçambique um suicídio anómico, caracterizado pela falta de esperança e foco sobre o que vai ser o futuro individual ou colectivamente. Mergulhados numa crise económica e política que parece não ter fim, o desespero e o caos tomaram de assalto a nossa sociedade em todas as esferas. Como diriam os franceses, estamos a viver numa ''société bouleversée''.
Entenda-se que ao falar de sociedade não me refiro a Cidade de Maputo, mas sim ao país como um todo. A prática de assassinatos entre casais é um sinal claro do sufoco e desespero que vivemos nos dias de hoje. O fosso entre ricos e pobres aumenta diariamente e para algumas pessoas na incapacidade de obter sustento optam pela prática desses crimes para sobreviver ou para se livrar desse mal pondo fim às suas vidas, pois, pensam que a morte seja o fim do martírio.
Isto se estende um pouco para a traição, uma palavra que vai muito além da infidelidade conjugal. Trair começou ganhar status laico e jurídico na Roma antiga. Mas até a Bíblia fala de traição, basta lembrar Adão e Eva, Abel e Caim, chegando aos palácios imperiais, no cinema, nas artes, na política, na música, na literatura, nas redes sociais, nas classes alta, média e nos subúrbios. Não vou aqui nem entrar no mérito religioso.
Da traição podemos desembocar na violência doméstica que também caracteriza o nosso país, embora esta eu pense que começa a ganhar outros contornos apenas por se relatarem casos contra os homens e na televisão e redes sociais estar a existir uma vasta propaganda.
É preciso lembrar que a violência doméstica não é de hoje, a mulher e as crianças sempre sofreram deste mal, o que temos hoje é uma maior mediatização e o homem (sentido de sexo) como centro das atenções. Só para recordar, segundo estatísticas da PRM – em 2016 as mulheres sofreram em 60%, crianças em 30 % e os homens apenas em 10%.
Olhando para esses dados posso mencionar aqui o questionamento levantado por Eliana Nzualo (2016) recentemente: serão todos os homens violentos? Não. Mas todos os homens são criados na mesma sociedade patriarcal que exige deles um comportamento violento. Todos os homens são criados para acreditarem que têm acesso ilimitado à violência para reforçar o seu poder. Todos os homens são socializados para acreditar que o uso da violência está acima de qualquer direito ou dever que possam ter na sociedade.
Noutro texto, Nzualo (2016) se debruçou sobre a questão do divórcio como hipotética solução para o actual momento. Ela refere que o divórcio pode ser uma porta para a possibilidade de crescimento e realização pessoal imprescindível para qualquer pessoa ser feliz. O divórcio pode representar a liberdade para muitas pessoas que vivem oprimidas nos seus casamentos. O divórcio pode permitir a constituição de uma família de relações saudáveis. E acima de tudo, o divórcio protege os casamentos de uma realidade infeliz e desgastante.
Somos chamados a olhar para este e outros males não de forma isolada, chama-se aqui para uma abordagem holística do assunto e perceber o individuo praticante destes actos como alguém que está inserido numa sociedade onde desenvolve relações e interacções com os outros. Ele (indivíduo) age em função dos outros e daquilo que constata ao seu redor – a situação ocasional determina suas decisões.
Por exemplo, imagine-se numa situação de chuva miúda em plena via pública onde te deparas com outras pessoas que abrem o seus guarda-chuvas para se proteger e você continua com o seu fechado. A tua decisão de abrir ou não o guarda-chuva vai ser determinada não pela opção individual, mas sim por constatar que os outros abriram os seus guarda-chuvas e também te sentes na necessidade de seguir o mesmo exemplo.
Para finalizar, penso que a hostilização pública e o vilipêndio dos praticantes deste crimes apenas vai potenciar a prática dos mesmos, somos chamados a pensar conjuntamente numa solução sem excluir os praticantes destes actos. Porém, não podemos nos espantar com actual momento, é típico de qualquer sociedade - de certa forma nos ajuda a construir o amanhã que (não) queremos.
Sem comentários:
Enviar um comentário