O
presente texto constitui uma análise em torno dos processos eleitorais
que se avizinham: eleições autárquicas e gerais de 2018 e 2019,
respectivamente, sendo que as primeiras foram marcadas para dia 10 de
Outubro. As questões que a seguir colocam-se estão divididas em dois
prismas, sendo a primeira sobre os partidos políticos e a segunda sobre
os órgãos de administração e gestão eleitoral. Porém, sabe-se que não
são apenas estas questões que se colocam para os próximos pleitos
eleitorais, mas pela impossibilidade de se analisar todas, optou-se por
apenas duas. Não são aqui apresentadas análises acabadas e
deterministas, mas sim hipóteses e tentativas de resposta.
Partidos políticos
Nesta
secção, pretende-se reflectir sobre os critérios existentes para a
definição de um partido político, bem como as suas funções. É um
exercício que poderá permitir uma compressão sobre a forma como estão
estruturados os partidos políticos em Moçambique.
Gazibo
e Jenson (2015: 119) referem que os partidos políticos podem ser
analisados como a tradução de clivagens sociais que procuram demonstrar
como é que as diferenças sociais fundam a representação política. No
mesmo diapasão, Lipset e Rokkan (1960), descrevem como é que as
diferenças ideológicas e partidárias são o resultado de clivagens no
seio de cada país. Essencialmente, são diferenças entre grupos em
competição que são o fundamento de conflitos de políticos que reflectem,
neles mesmos, os interesses divergentes sobre aqueles que pretendem
mobilizar e politizá-los.
Esses
autores apresentam as seguintes clivagens: Estado/Igreja que opunha os
partidos clérigos que defendiam a manutenção do papel da igreja sobre o
Estado e os partidos anti-clérigos que defendiam a laicidade do Estado;
centro/periferia entre os apoiantes de um Estado centralizado e os
defensores de uma autonomia de governos locais e regionais; urbano/rural
opondo os detentores das indústrias e os agricultores, permitindo a
criação de partidos os verdes ou de movimentos pós-materialistas;
clivagens capital/trabalho entre os detentores dos meios de produção e a
massa trabalhadora, resultando numa divisão entre partidos
conservadores, liberais e partidos defensores dos operários, partidos
socialistas, sociais-democratas, trabalhadores, etc. (Dormagem e
Mouchard, 2015: 115). Contudo, é preciso referir que das clivagens acima
apresentadas, a sua aplicação encontra pouco espaço em alguns países da
África subsaariana.
La
Palombara e Weiner (1966) apresentam cinco critérios que devem
caracterizar um partido político, destacando em primeiro lugar a sua
continuidade como organização, no qual a sua existência não se confunde
apenas com a imagem e esperança de vida dos seus fundadores e é
reforçado pela alternância de poder na gestão do próprio partido; o
segundo elemento fundamenta-se com a extensãoterritorial do próprio
partido, destacando a capacidade destes em afirmar a sua presença e
captar apoios das elites locais que os distinguem de diferentes grupos
parlamentares; o terceiro elemento é referente à procura permanente de
apoio popular, concretamente no acto das eleições, o que faz com que o
partido político se diferencie de sindicatos ou de juntas militares
sendo que o último fim é a vontade de conquista e exercício de poder
político.
Por
outro lado, um partido político constitui ‘’uma reunião de homens que
professam a mesma doutrina política’’, segundo Constant, citado por
Offerlé (2012). Adicionalmente aos critérios anteriormente apresentados,
juntamos a apreciação de Jean-Marie Denquin que propôs três funções de
partidos políticos: (a) estruturação da vida política (ter uma ideologia
e um programa); (b) recrutamento e selecção de políticos (candidatos às
eleições) e (c) servir como um elemento de integração social, cujo
serve como verdadeiro estabilizador da ordem política através da
socialização dos cidadãos.
A
apresentação das questões acima levantadas ajudam-nos, de alguma forma,
a regressar para o problema colocado no início deste capítulo no qual
procuram-se respostas sobre a forma em que os partidos políticos se
encontram estruturados em Moçambique. E partindo da lógica dos critérios
aqui apresentados, a maioria dos partidos políticos moçambicanos não
seria considerada como tal. Por um lado, a lei dos partidos políticos
(7/91), determina uma série de regras para a existência de partidos
políticos, das quais em comunhão com os critérios teóricos aqui
apresentados, mas que não são respeitadas: (a) partidos que se confundem
à imagem do seu dirigente; (b) uma nítida falta de interesse de
conquista e exercício do poder e; (c) uma paralisia ao nível nacional.
Ademais fica-se com impressão de que o preenchimento de requisitos
legais de registo é o único elemento estruturante para a existência de
partidos políticos em
Moçambique.
Moçambique.
Como
vedes, não traz-se repostas para a questão colocada no início do
presente capítulo, ficando a necessidade dos partidos políticos
repensarem a sua própria existência e objectivos.
Órgãos de administração e gestão eleitoral
Nesta
fase pretende-se reflectir sobre qual deve ser o papel dos órgãos de
gestão e administração eleitoral, no sentido de garantir uma maior
confiança dos actores políticos pelos processos eleitorais, pois, ‘’as
leis eleitorais não são neutras, uma vez que tendem a aumentar ou
diminuir as oportunidades de partidos e candidatos, e a engenharia
eleitoral, além de ser uma estratégia que pode ser usada pelos actores
políticos (como indivíduos racionais), para o alcance dos seus
objectivos, ela gera consequências mais amplas, alterando o
comportamento estratégico dos políticos, cidadãos e partidos’’ (Macuane,
CAP, 2010).
A
lei n.º 9/2014, de 12 de Março é o dispositivo legal que estabelece as
funções, composição e funcionamento da Comissão Nacional de Eleições,
actualmente em funções, e é uma lei que resultou de arranjos e consensos
políticos. Por um lado, destaca-se no decorrer do texto o recenseamento
eleitoral porque entende-se ser este um dos actos mais importantes do
processo. Por outro, referencia-se a observação eleitoral, uma etapa que
concorre para credibilizar o processo, desde a fase do recenseamento
até ao próprio dia das eleições.
Para
De Brito (2008), o recenseamento eleitoral é um dos elementos
fundamentais do processo eleitoral, pois, através do mesmo é constituída
a lista dos cidadãos com direito de voto, ou seja dos eleitores,
sendo-lhes assim garantido o direito de escolher os seus representantes,
que é uma das bases dos regimes democráticos. Ainda de acordo com este
autor, esta fase não escapa à falta de transparência que tem
caracterizado os processos eleitorais moçambicanos e os problemas mais
graves situam-se na etapa inicial, ou seja no recenseamento eleitoral, e
em particular na fase final, na contagem e apuramento de resultados.
Por
sua vez, Do Rosário (2013), refere que uma das exigências mínimas é que
o recenseamento seja transparente e realizado com antecedência adequada
em relação à data da votação, os seus resultados divulgados
atempadamente para permitir melhor organização dos partidos políticos,
das organizações da sociedade civil e outras organizações de observação
interessadas no processo eleitoral. Num outro documento, Do Rosário e
Muendane (2016), questionam as intenções ocultas por detrás do
recenseamento eleitoral, chegando a considerar que alguns eleitores o
fazem somente para tirar alguns dividendos que não são a própria
votação.
Colocados
os elementos acima, entende-se ser um grande desafio que se expõe aos
órgãos de administração e gestão eleitoral para a realização do
recenseamento no que diz respeito aos próximos pleitos eleitorais, pois,
a deficiente implementação desta fase pode ter implicações na
configuração do próximo xadrez político ao nível municipal, provincial e
nacional. Outro elemento de grande preocupação está associado a
inexistência de dados desagregados em género e idade por parte destes
órgãos, com destaque para a população jovem e para as mulheres, o que,
de certa forma, não permite a realização de estudos fiáveis e concisos
sobre a configuração eleitoral em Moçambique.
Segundo
a lei n.º 9-2014, de 12 de Março, a observação eleitoral é o acto das
pessoas indicadas por diversos organismos nacionais ou estrangeiros
observarem o processo de recenseamento eleitoral, nos termos definidos
pela CNE. Neste processo, os partidos políticos desempenham um papel
fundamental, pois, têm maior auto-interesse no acompanhamento do
processo eleitoral. Eles são os mais bem situados para avaliar o
ambiente político, identificar os obstáculos à livre campanha e as
implicações das opções do sistema eleitoral (IDEA, 2001).
Para
Osório (2009), a observação do processo eleitoral em Moçambique, tem
constituído um dos problemas que mais tem afectado a transparência e a
fiabilidade dos resultados eleitorais. Só em 2014 algumas missões de
observação eleitoral reportaram os seguintes problemas: (a) fragilidades
(financeiras e de know how) por parte dos partidos políticos, sobretudo
a oposição, em formar e deslocar os seus delegados para todas mesas de
votos; (b) problemas na acreditação de observadores e delegados dos
partidos políticos, aliado a atrasos na submissão dos pedidos; (c)
cadernos eleitorais e boletins de voto adicionais. Estas situações não
poucas vezes têm contribuído para a contestação eleitoral, bem como para
a adopção, nos últimos anos, de mecanismos de observação eleitoral não
previstos na lei por parte de alguns partidos políticos.
Pelos
relatos de vários intervenientes que têm vindo a observar os pleitos
eleitorais nos últimos anos, mostra-se cada vez mais importante esta
acção, pois há uma crença de que a sua realização possibilita a menor
ocorrência de actos de ilicitude eleitoral. Portanto, pode-se depreender
que este é um dos desafios centrais para os próximos pleitos
eleitorais, visto que a própria lei já abre espaço para a sua
realização, bastando uma atempada organização dos proponentes.
Percebe-se aqui que todos os intervenientes, (partidos políticos e
sociedade civil, sobretudo a CNE e o STAE) devem antecipar-se e
fortalecer-se visando garantir um maior desempenho na sua actuação,
promovendo desta forma uma maior confiança pelos actos e resultados
eleitorais e integridade do processo.
*artigo escrito em colaboração com Idalêncio Sitoe.
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